Eu lembro bem e escrevo como testemunha da história.
Não do fato, mas da comoção generalizada e da repercussão, aqui em Manaus, do dia do fato.
Me refiro ao naufrágio do navio Sobral Santos II. Foi em setembro de 1981.
Esse evento sempre me assombrou, vez ou outra quero escrever sobre ele. Agora foi. E vai:
1 – O Sobral Santos saía de Santarém e viria para Manaus, mas pararia em Óbidos.
Estava com excesso de passageiros e de carga. No caso dos passageiros excedentários, se sabe por contagem que excediam em mais de cem, mas não havia lista dos nomes desses excedentários. A carga estava, diz-se, mal distribuída e incorretamente amarradas.
2 – O navio já havia chegado em Óbidos, havia atracado. Passava já da meia noite, as a corda de atracação se rompeu, o navio se afastou. Se conta que já na viagem os g=banheiros estavam sendo invadidos por água, efeito do execco de peso no casco. Era o início do fim.
3 – O navio adernou, e muito rapidamente afundou. Uns poucos que estavam no deck saíram logo, outros conseguiram se desvencilhar e subir. A causa afirmada é que os passageiros se projetaram para o parapeito de um dos lados do navio. Isso fez com que o navio já adernante se inclinasse ainda mais, o que fez com que a carga, aquela mesmo que estava mal distribuída e mal amarrada deslizasse para o lado inclinado. O resultado foi o pique.
4 – Uns afirmam que em poucos minutos o navio chegou ao fundo do rio. Outra versão fala e alguns segundos. Penso (não sou técnico na área) que se sido tão rápido, teria quase nenhum sobrevivente, teve pouco mais cem. E se tivesse demorado muito, teria tido mais sobreviventes (morreram mais de 200). Sabemos que, tomado pela emoção e medo, a memória não grava detalhes cruciais, às vezes.
5 – Tudo isso acontecia no escuro, pois a energia elétrica só ia até meia noite. Lâmpada acessa que havia era dos barcos no cais, mas ainda assim não iluminavam o local do sinistro. Sim, foi uma sucessão de infortúnios. Pessoas que escutaram os gritos se assustam até hoje. E nem todos conseguiam chegar na margem, posto que a correnteza estava forte.
6 – Versões contam que alguns mergulhadores, contratados não se sabe por quem, furavam os corpos encontrados submersos, para que não subissem, e que alguns levavam os pertences de valor que encontravam afundados e com os cadáveres. Minha teoria é que mergulhadores-piratas o fizeram, mas não os contratados, pois se corre o risco de manchar a imagem dos heróis que ajudaram no resgate.
7 – Corpos ainda ficaram aparecendo no rio por alguns dias, “do nada” subiam flutuando, deixando os obidenses mais aterrorizados ainda, outros foram revelados quando do içamento do navio, causando uma visão amedrontadora.
8 – Quanto à televisão, lá em Óbidos daquela época só havia retransmissora da Bandeirantes, pouco há de imagens televisivas – penso que isso ajudou a não dar ao fato a dimensão que merecia.
9 – Uns três dias depois, meus pais chegaram em casa com livrinho de poesia de cordel sobre o naufrágio, que ficou bem famoso na época e alguém (o autor) saía de local em local aqui em Manaus vendendo. Continha a narrativa da tragédia e poema.
10 – Nada foi investigado de forma conclusiva. Não houver indenizações.
11 – Me pergunto sempre: Se tivesse sido em alguma outra região do país, de maior visibilidade, teria tido qual tratamento?
12 – Diferentemente do que ocorre em acidentes aéreos, onde cada ocorrências gera melhorias e aprendizados para evitar futuros sinistros sob igual circunstância, notamos que, por alguma maldição, os acidentes ocorridos nos rios da Amazônia pouco ensinam, já que, vez em quando…
13 – O navio foi içado e está navegando ainda hoje. Foi vendido e atualmente se chama “Cisne Branco”. Comparo a mudança do nome ao mesmo motivo que fez com que o “Edifício Joelma” depois passasse a se chamar “Praça da Bandeira”: Ao menos aos desavisado, a tragédia fica encoberta, indo com o nome antigo.