Até antes de fechar para reforma, o nome “Mercado Adolpho Lisboa” só existia em aula de história, livro ou mídia. Era “Mercadão” ou, quando muito, “Mercado Grande” mesmo.
O frequentei até 1989. Ia lá com meu pai, minha missão era fazer o rancho para o meu avô, João Freire, que me entregava duas cestas (embora fossem de nylon) e uma folha de caderninho, quase caderneta.
“- Uma banda de tambaqui (o do lado do espinhaço!)
– Choriço
(não lembro de um monte de outros)
– Dois sacos de goma
– Linha ´um-zero´”
Os dois últimos itens eram para minha avó, ela fazia tapioca e crochê.
A viagem no Opala era legal até a Getúlio Vargas, porque dava pra ver o rio de longe, entrávamos na Floriano Peixoto (naquela época a mão era inversa à de hoje) e já desde a frente do porto uns flanelinhas colocavam a mão no carro e iam correndo acompanhando, já indicando alguma vaga.
“Em meia hora, aqui!” dizia meu pai ao sairmos do carro – Pois é, eu tinha meia hora pra cumprir a lista de compras.
Meu amigo: aquele mercado era a ante-sala do inferno! (tá bom: “antessala” – maldita reforma ortográfica!)
Pode notar: todos os que se lembram de lá com carinho, é por causa de alguém da família que acompanhava (eu, no caso, ia com meu pai, como disse) – mas JAMAIS por causa do lugar, ao menos ainda não li ninguém sentindo saudade do “ambiente agradável do Mercadão” daquela época.
Esqueça qualquer glamour do mercado que era “miniatura do original francês”, da época do borracha ou coisa parecida: Era uma construção cinza, com partes brancas devida à tinta descascada, com grades pretas, cinzas e meio enferrujadas.
A parte externa era dividida entre feirantes, camelôs, crianças, adolescentes e rapazes com carrinhos de rolimã que cobravam sei lá quanto para levarem compras (duzentos cruzeiros? era isso, memória?).
Havia lixo, cachorros entre as caixas – nada contra os caninos, o problema é que vez ou outra eles começavam a brigar e aí tínhamos que passar meio longe. Perto do rio, naquela ladeira que descia para a água, havia sempre uns urubus (que acho que já eram de estimação). Uma caixa de som sobre um poste anunciava preço de roupas que havia á venda nos boxes logo após à rampa que subia para o primeiro e maior pavilhão.
Por falar em pavilhão, o mais legal era o das especiarias, que tinha um monte de boxes com coisas indígenas, ferramentas, coisas de pesca e era bem largo, limpo, e com vendedores que, pelo jeito, pareciam que estavam há 100 anos ali, não sei até hoje porque eu tinha aquela impressão.
O pavilhão de carnes era o mais quente e tinha um cheiro terrível (não é fru-fru não, era fora do normal mesmo! pergunte a quem ia lá!). O pior dos pavilhões era o dos peixes, não por causa do cheiro, mas por causa do chão: era coberto de lama, sangue e sujeira.
Havia duas opções de calçados que usávamos quando íamos no Mercadão: Ou se usava sandália japonesa (frescura de chamar de “havaianas” não havia) ou tênis.
Se usasse havaianas (taí a frescura), saía com o pé todo melado, mas pelo menos ela firmava bem no chão, não deixando escorregar. Se usasse tênis, saía com o pé enxuto, mas tinha a infelicidade de precisar cinco banhos depois, se escorregasse e caísse naquele chão.
O pavilhão mais engraçado era um, estreito, que tinha umas garrafas pra vender. Jamais me esqueço de uma conversa minha lá:
“- O que tem aí pra dor de garganta? – O vendedor, lá do alto, me apontou uma garrafa lá.
– E pra dor de ouvido?
– Serve também.”
Não comprei porque estava com pressa (tinha aquele tempo lá pra cumprir). Como eu ia sempre nos mesmos feirantes, era tudo rápido e alguns até já sabiam o que eu ia comprar lá.
Vez ou outra surgia briga nos jornais da cidade: a população reclamava das péssimas condições de limpeza do Marcadão – os feirantes colocavam a culpa na prefeitura, que não recolhia o lixo. Lembro que certa vez foi instalado um contêiner, daqueles recolhedores de entulho, bem na frente do Mercadão. Foi pior: precisávamos passar longe dali por causa das moscas e dos urubus (daqueles de estimação do lugar) que, lembro bem, podíamos até sentir o blash das asas quando levantavam voo daquele contêiner – além de terem colocado o trem bem entre a calçada e a rua, de forma que tapou a passagem de pedestres no passeio e dos carros – gênios!
Do lado de fora tinha aquela construção circular, parte do próprio mercado, só que era fechada, pois o prefeito Manuel Ribeiro resolveu criar um “Sopão” lá (no moldes do “prato cidadão” de hoje) e não funcionava aos domingos.
Ao chegar no Opala, tinha que esperar por meu pai (acho que o relógio dele era maior que o meu).
Saíamos daquele Mercado ouvindo Paulo Sérgio no toca-fitas RoadStar; eu ficava feliz por sair daquele inferninho.
Hoje, 2013, parece que o “Mercadão” vai voltar a ser “Mercado Adolpho Lisboa”, que seja limpo, agradável, que se torne parte de nossas vidas; e que daqui há 30 anos possamos lembrar dele, do lugar, bonito como ele está hoje – o que não foi dado à geração Y.