Cheguei de táxi ao centro, na 7 de setembro com Joaquim Nabuco, era 16:50.
De onde eu estava já havia um tapete de pessoas desde o início da sete. Pessoas chegavam de todos os lados. Andei até o início da Praça da Polícia. Já se organizava a massa para começar a passeata.
A duas quadras se ouvia uma batucada marcial, na outra esquina, perto do Colégio Estatual, algo como uma batida de Funk soava.
Olhando em volta, pude ver que estávamos todos felizes, não vi no trajeto uma cara fechada sequer. Pra onde olhávamos era só sorrisos; estava claro que apesar da seriedade da intenção, tudo ali era uma grande festa – uma festa da consciência.
Em todos os prédios que surgia alguém na janela, o grito começava: “Vem pra rua! Vem pra rua!” – Em alguns prédios umas velinhas nos aplaudiam e nós aplaudíamos de volta, em outros prédios estenderam bandeiras e lençóis azuis nas sacadas.
Quando passamos em um prédio da Getúlio Vargas eu vi, juro que vi! Em uma janela, o Poeta Thiago de Melo acenando para a gente, lá de cima.
Todos ali estavam realmente decididos à não-violência: ao passarmos pela Japurá ouvimos um explosão, mas não era de catolé não, era EXPLOSÃO mesmo, pudemos sentir a pressão na pele e no tímpano. Todos ficaram em silêncio pos und três segundos tentando entender, quando viram que era algo como um catolé ou algo parecido (eu acho que não era) começaram a vaiar. Nem bem passaram dois minutos e uma nova explosão, no mesmo lugar, ocorreu, recebendo a mesma vaia.
Mais à frente, um manifestante deu um murro em uma porta de correr de uma loja, fez um barulhão. Foi vaiado seguido de gritos de “Viadinho! Viadinho!” e dois manifestantes foram acalmá-lo.
A cada quilômetro havia um conjunto de 10 ou 12 policiais; ficou claro para mim que, se aquela multidãoo se rebelasse, aqueles policiais correriam é risco de vida, não controlariam nem 1% daquilo ali. Para a sorte da corporação, só tinha gente da paz ali.
Havia um grupo de Punks, cantando música do “Ratos de Porão” e “Garotos Podres”. Passei por eles e um deles me ofereceu uma garrafa com algo alcoolico, pelo cheiro.
– Quer, irmão?
– Não man, valeu.
– Rapaz há dois dias que eu não bebo uma gota d’água, só vodka!
Isso é que é resistência – pensei.
Encontrei umas duas dezenas de alunos e aqui e ali alguém me perguntava se eu era o “advogado da televisão”.
Eu estava curtindo aquilo tudo, a emoção bateu quando passamos por baixo do primeiro viaduto da Djalma Batista, aquela multidão lá de cima cantando com a gente me fez ter certeza que nunca algo parecido tinha ocorrido aqui.
Passando no fim da Getúlio Vargas, um cheiro forte de cigarro misturado com algo parecido com plástico derretido invadiu o ar: começaram a gritar que era maconha. O cheio só parou quase uma quadra depois, gritaram que era da janela de uma casa perto da esquina, e outros diziam que era um grupo da própria passeata os autores da proeza fumígera.
As reivindicacões íam de “Não à PEC 37”, “Não à ‘cura gay'”, “Não à corrupção˜, “Saúde”, “Educação”, “Não à corrupção”, “Não ao ato médico” e…. preço da farinha! Isso mesmo!
Surgiu alguém com bandeira do PC do B, começou gritos de “Sem partido!”, seguido de “PC do B, vai se F..!” , perto da Arena surgiu uma bandeira do PSTU, começaram a gritar para eles: “PSTU, vai tomar no c*!”
Sempre que à nossa frente surgia alguma mulher com grandes atributos, não faltava alguém para gritar “- Corta pra 18, Percival!”
Aliás, devo afirmar: Quase não havia manifestante feia! Era mulher bonita para qualquer lado que se olhasse! Pergunte a quem foi!
As músicas que embalaram a caminhada: Aquele “ôôô vem pra rua que a rua é a maior arquibancada do Brasil!”; “Que país é esse” e o Hino Nacional, cantado pelo menos umas quatro vezes no trajeto e uma vez na chegada à Arena.
Os cartazes eram um show à parte.
O único tumulto sério que presenciei foi quando saímos da Djalma e dobramos à esquerda rumo à Arena. Uma correria começou e sentamos na rua bem rápido. Acalmou. De grave e anormal, foi só isso.
Chegamos na Arena e presenciamos um anti-climax: cantamos o Hino Nacional… e só… é… só isso! Nada de discursos, palavras de ordem, nada!
Os grupos sentaram no asfalto e começou a dispersão, Fiquei mais meia hora caminhando lá. Voltei pela Constantino Nery (havia um grupo grande voltando), dobrei na Darcy Vargas quando… surpresa! A Djalma ainda estava pinhada de gente vindo do centro; dessa vez eu estava tendo a visão dos que estavam em cima do viaduto, e era um tapete humano! Algo inacreditável.
Na minha contagem empírica, havia pelo menos 200 mil pessoas lá.
Voltei a pé para o Manauara, onde deixei o carro. Entrei em uma loja e vi o que nõa gostaria: um grupo de manifestantes foi para o bairro da Compensa, rumo à Prefeitura, e começaram a perpetrar atos de vandalismo.
Afirmo que não era o grupo que eu e aquelas dezenas de milhares de pessoas estava participando, certamente já foram com espírito estraga-festa.
Bem, uma impressão ruim fiquei: notei que só havia ali de classe “B” pra cima, gente politizada, ou seja, o “povão”, o grosso do eleitorado… simplesmente não estava lá; isso se justifica quando percebemos que foi através das redes sociais que aquilo ali foi convocado, o que confirma que só o antenados e com consciência de mudança ficaram tentados a ir à manifestação. Uma pena, sim: corre-se o risco daquilo tudo valer nada nas próximas eleições.
Não vi um único político em volta. Não soube de nenhuma ocorrência de furto ou roubo. Dois helicópetros faziam voos razantes o tempo todo. Também não presenciei qualquer ocorrência médica ou briga.